CL
Conto e acrescento um ponto
engravidar ponto engravidar ponto engravidar ponto
ponto final parágrafo
ponto de exclamação
ponto de interrogação
ponto ponto ponto
...
começamos por viver estes pontos entre parênteses
assim (...)
escondidos no nosso silêncio.
Queremos engravidar mas não conseguimos. E o mundo continua fora deste parênteses.
Então quando é que têm um filho?
Olha que a tua idade...
Eh pá, ter filhos é a melhor coisa do mundo, saber que são nossos.
E nós,
engravidar ponto engravidar ponto engravidar ponto
ponto final parágrafo
ponto de exclamação
ponto de interrogação
ponto ponto ponto
...
Em silêncio, mesmo quando damos resposta o que nos sai é silêncio. Não ouvem?
São anos nisto. E naquilo. E no que nunca imaginámos passar. Vamos a médicos, abrimos as pernas,
fechamos o corpo, damos sangue para seringas inquestionáveis. Tem que ser. Tem que ser.
Tem que ser.
Há que analisar, há que pesquisar, a ti e a ele que isto do problema ser feminino já passou para
metade. Podes ser tu, pode ser ele e não de quem apanhar. Ninguém apanhou nada, não é um vírus papão que se apanha em tosses, sangues ou sémens. É só uma merda.
Pesquisem, pesquisem. Eu dou os braços, dou o meu interior, dou o que for. Dou com dor, mas dou.
Tentamos isto e aquilo. Isto injecta-se aqui, aquilo sai por ali, assim, assado e cozido. O final é
incerto. Pode acontecer mas normalmente não acontece.
Mas eu queria tanto.
(o quê)
Ah, engravidar. É isso.
É que entretanto perdi-me. Perdi-me de mim.
Já não é raiva, já não é medo, já não é pena, já não é raiva, já não é medo. Que pena.
Já não sou eu.
Engravidar ponto engravidar ponto engravidar ponto
ponto final parágrafo
ponto de exclamação
ponto de interrogação
ponto ponto ponto
....(engravidar). Já não consigo sair daqui. Estou presa na palavra engravidar. Entre pontos e
parênteses todo este tempo.
Ajudem-me.
(apagada entre parênteses, eu sabia que ainda existia. Algures).
E falei.
Falei com o meu médico que me deu a mão até uma Psicóloga. Sensíveis, ambos, para estas
questões de apagamentos.
Juntos, sim, todos juntos, fomos derrubando esses sinais curvos (que se utilizam em textos para
dizer frases quase em segredo mas quando se transportam para a vida são paredes que não se
escalam).
E fomos derrubando, construindo, caindo, não curando – não procurava a cura – vivendo. Foram
meses em que me fui vendo de novo. Olha um braço! Um dedo do pé. Mãos, cara e vísceras. Até
tenho desejos e vontades. Até já me lembro do que gosto, do que sempre me moveu.
(eu)
(eu
eu
Fui reaparecendo.
Foi-se lavrando a terra, preparando o ninho, sempre de olhos abertos, atenta, sem me culpar mesmo
quando não conseguia ver, sabia que o caminho era para ali. Não para o sucesso obrigatório, não
para engravidar de certeza, não para um caminho final. Para uma vida como eu sempre vivi. Aberta,
com várias possibilidades, descobertas e incertezas. Para a vida que gosto de viver.
Fomos fazendo mais tratamentos ao longo deste caminho. Falharam. Até que desistimos de tentar.
Os dois. Que esta dança apesar de exposta é do mais íntimo que já vivi. Foi triste. Mas a vida
continuava a pulsar à minha frente. Deixei de ser apenas a palavra engravidar para ser também a
palavra engravidar. Juntamente com todas as outras que quero que pertençam à minha vida.
Engravidar vírgula viajar vírgula viver ponto
Nunca ponto final
ponto de exclamação
ponto de interrogação
ponto ponto ponto
...
Para a incerteza da descoberta.
PsicoFértil
2017-05-28T17:27:52+00:00
CL
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